terça-feira, 1 de julho de 2014

Tecnologia: Combustível do futuro


A cana-de-açúcar, planta que faz parte da história econômica, geográ­fica e social do Brasil – com o açúcar, o etanol, a popularíssima cachaça e o caldo de cana –, já movimenta uma frota de ônibus na maior cidade do país com a missão de melhorar a qualidade do ar



O ar ruim da cidade de São Paulo está com os dias contados – e isso não é força de expressão. Em 2018, todos os ônibus municipais deverão, obrigatoriamente, utilizar combustíveis renováveis não fósseis por força  da Lei das Mudanças Climáticas, que pretende reduzir em até 30% as emissões nos próximos anos. A preocupação com o meio ambiente surgiu após o levantamento de emissões de gases de efeito estufa (GEE) feito em 2005, que apontou o uso de energia e a gestão de resíduos sólidos como as maiores fontes de GEEs da cidade. No caso da energia, 90% são originados das emissões veiculares.
E, já que parte significativa das emissões vem dos escapamentos dos ônibus, nada mais justo que eles integrem a faxina em prol da qualidade do ar. Várias medidas de mitigação estão em curso, desde a priorização dos coletivos utilizadores de energia renovável até o monitoramento e armazenamento de cargas no horário noturno, passando pela implantação de corredores de ônibus e por programas de incentivos como a carona solidária e o transporte compartilhado.
A iniciativa de São Paulo provavelmente será ampliada para outros municípios e é uma tendência mundial, uma vez que a busca por combustíveis alternativos há anos está na pauta das montadoras e das empresas de transporte e de tecnologia. A lista de opções é grande e com bons resultados. A MAN Latin America, por exemplo, desenvolve há vários anos pesquisas com combustíveis alternativos, como o biodiesel, o gás natural e a tecnologia híbrida de diesel hidráulico, que aumenta em 25% a eficiência energética do veículo. Atualmente a empresa aposta suas fichas em um combustível com DNA bem brasileiro: o diesel de cana, tecnologia desenvolvida pela empresa norte-americana de biotecnologia Amyris


A MAN aposta suas fichas no desenvolvimento do diesel de cana como o combustível do futuro. A parceria com a Amyris já apresenta bons resultados

Os testes com três ônibus VW 17.260 OT Euro III, da Viação Santa Brígida, começaram em 2010 e os ônibus ainda estão em circulação. O combustível também abastece 260 ônibus da empresa na proporção de 10%.
“A grande vantagem é que o diesel de cana não requer nenhuma modifi cação no veículo ou na infraestrutura da garagem, seja de abastecimento ou de manutenção”, afirma Itamar Lopes, diretor comercial da Viação Santa Brígida. Ainda falta muito para que toda a frota paulistana – 15 mil ônibus que operam diariamente 1.300 linhas e realizam em média 9,8 milhões de embarques – seja movida exclusivamente por combustíveis renováveis, mas o caminho é irreversível.
AR LIMPO
A SPTrans tem grande interesse em saber como anda o desempenho dos ônibus movidos a diesel de cana e vem acompanhando de perto os testes realizados na Santa Brígida. Para João Carlos Fagundes, diretor de Engenharia da SPTrans, até o momento os resultados foram excelentes. “Tivemos uma redução na emissão de material particulado – a fumaça preta – sem alterar o desempenho do veículo.” Os dados coletados pela MAN também mostram um ganho de 3% a 5% no rendimento do motor. “Por ser um combustível mais limpo, sem benzeno ou outros componentes, e ter um número maior de cetano, o diesel de cana aumenta a capacidade de ignição e a densidade de energia do motor”, explica o diretor de Engenharia da MAN, Rodrigo O. Chaves. Adilson Liebsch, diretor comercial da Amyris, completa: “Além da redução de 30% a 70% em materiais particulados, o diesel de cana reduz a emissão de  NOx (óxidos de nitrogênio), o que é impressionante para quem conhece a otimização de emissões em motores diesel”. Apesar de os dados serem altamente positivos, a utilização em massa do combustível ainda está longe de virar realidade, uma vez que a demanda pelo diesel na cidade de São Paulo é de 450 milhões de litros/ano e a capacidade de produção da Amyris atualmente é de apenas 50 milhões de litro/ano. “Estamos trabalhando para redução do custo e aumento
dos volumes produzidos. E acreditamos que esta é sem dúvida a melhor alternativa para tornar o combustível dos ônibus da SPTrans 100% renovável, tornando a frota paulistana umas das mais limpas do mundo em termos de emissões de gases de efeito estufa e poluentes
atmosféricos”, afi rma Liebsch. Ainda não há previsão de quando o diesel de cana chegará aos postos de combustíveis, pois, segundo o diretor da Amyris, o foco é a frota urbana de ônibus.
Os estudos da MAN para a utilização de alternativas energéticas não se limitam aos motores de ônibus. Já existem testes programados para o uso de novos combustíveis em caminhões solicitados pelos próprios clientes.

Remédio para malária, remédio para o ar

A descoberta do diesel de cana foi praticamente ao acaso. Ao investir no desenvolvimento de um medicamento contra a malária, que ainda afeta milhões de pessoas por ano no mundo, especialmente nos países em desenvolvimento, a Amyris usou biotecnologia para produzir artemisinina, um dos mais e­ cientes remédios contra a doença. A substância está presente em uma planta originária da China, a Artemisia anura, mas como nunca foi utilizada em larga escala a sua baixa produção e o alto custo acabaram inviabilizando o projeto. Os pesquisadores utilizaram, então, o fungo Saccharomyces cerevisiae (o mesmo usado para produzir cerveja e etanol) e conseguiram criar o princípio ativo. “Em 2013 quase metade dos 200 milhões de casos de malária no mundo usaram medicamento produzido sem ­ ns lucrativos a partir da tecnologia desenvolvida pela Amyris”, conta Adilson Liebsch.
Esse mesmo fungo foi modi­ cado geneticamente para a produção do diesel de cana. “A ideia surgiu por volta de 2007, quando os principais investidores da Amyris e os fundadores perceberam que seria possível aplicar biotecnologia para criar alternativas para a produção de diesel e querosene de aviação”, diz Liebsch. A modi­ cação genética do Saccharomyces cerevisiae permitiu a produção em larga escala de um hidrocarboneto conhecido como farneseno, obtido com a fermentação da cana. A partir de uma unidade de operação conhecida como hidrogenação, na qual quatro moléculas de hidrogênio são adicionadas a uma molécula de farneseno, mais a desidratação necessária para remover a água, obtém-se o combustível.


Fonte: Man Magazine edição 08 ano 04




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