A cana-de-açúcar,
planta que faz parte da história econômica, geográfica e social do Brasil –
com o açúcar, o etanol, a popularíssima cachaça e o caldo de cana –, já
movimenta uma frota de ônibus na maior cidade do país com a missão de melhorar
a qualidade do ar
O ar ruim da cidade de São Paulo está com os dias
contados – e isso não é força de expressão. Em 2018, todos os ônibus municipais
deverão, obrigatoriamente, utilizar combustíveis renováveis não fósseis por
força da Lei das Mudanças Climáticas,
que pretende reduzir em até 30% as emissões nos próximos anos. A preocupação
com o meio ambiente surgiu após o levantamento de emissões de gases de efeito
estufa (GEE) feito em 2005, que apontou o uso de energia e a gestão de resíduos
sólidos como as maiores fontes de GEEs da cidade. No caso da energia, 90% são
originados das emissões veiculares.
E, já que parte significativa das emissões vem dos
escapamentos dos ônibus, nada mais justo que eles integrem a faxina em prol da
qualidade do ar. Várias medidas de mitigação estão em curso, desde a
priorização dos coletivos utilizadores de energia renovável até o monitoramento
e armazenamento de cargas no horário noturno, passando pela implantação de
corredores de ônibus e por programas de incentivos como a carona solidária e o
transporte compartilhado.
A iniciativa de São Paulo provavelmente será
ampliada para outros municípios e é uma tendência mundial, uma vez que a busca
por combustíveis alternativos há anos está na pauta das montadoras e das
empresas de transporte e de tecnologia. A lista de opções é grande e com bons
resultados. A MAN Latin America, por exemplo, desenvolve há vários anos
pesquisas com combustíveis alternativos, como o biodiesel, o gás natural e a
tecnologia híbrida de diesel hidráulico, que aumenta em 25% a eficiência
energética do veículo. Atualmente a empresa aposta suas fichas em um combustível
com DNA bem brasileiro: o diesel de cana, tecnologia desenvolvida pela empresa
norte-americana de biotecnologia Amyris
A MAN aposta suas fichas no desenvolvimento do diesel
de cana como o combustível do futuro. A parceria com a Amyris já apresenta bons
resultados
Os testes com três ônibus VW 17.260 OT Euro III, da
Viação Santa Brígida, começaram em 2010 e os ônibus ainda estão em circulação.
O combustível também abastece 260 ônibus da empresa na proporção de 10%.
“A grande vantagem é que o diesel de cana não
requer nenhuma modifi cação no veículo ou na infraestrutura da garagem, seja de
abastecimento ou de manutenção”, afirma Itamar Lopes, diretor comercial da
Viação Santa Brígida. Ainda falta muito para que toda a frota paulistana – 15
mil ônibus que operam diariamente 1.300 linhas e realizam em média 9,8 milhões
de embarques – seja movida exclusivamente por combustíveis renováveis, mas o
caminho é irreversível.
AR LIMPO
A SPTrans tem grande interesse em saber como anda o
desempenho dos ônibus movidos a diesel de cana e vem acompanhando de perto os
testes realizados na Santa Brígida. Para João Carlos Fagundes, diretor de
Engenharia da SPTrans, até o momento os resultados foram excelentes. “Tivemos
uma redução na emissão de material particulado – a fumaça preta – sem alterar o
desempenho do veículo.” Os dados coletados pela MAN também mostram um ganho de
3% a 5% no rendimento do motor. “Por ser um combustível mais limpo, sem benzeno
ou outros componentes, e ter um número maior de cetano, o diesel de cana
aumenta a capacidade de ignição e a densidade de energia do motor”, explica o
diretor de Engenharia da MAN, Rodrigo O. Chaves. Adilson Liebsch, diretor
comercial da Amyris, completa: “Além da redução de 30% a 70% em materiais
particulados, o diesel de cana reduz a emissão de NOx (óxidos de nitrogênio), o que é
impressionante para quem conhece a otimização de emissões em motores diesel”.
Apesar de os dados serem altamente positivos, a utilização em massa do
combustível ainda está longe de virar realidade, uma vez que a demanda pelo
diesel na cidade de São Paulo é de 450 milhões de litros/ano e a capacidade de
produção da Amyris atualmente é de apenas 50 milhões de litro/ano. “Estamos
trabalhando para redução do custo e aumento
dos volumes produzidos. E acreditamos que esta é sem dúvida a melhor
alternativa para tornar o combustível dos ônibus da SPTrans 100% renovável,
tornando a frota paulistana umas das mais limpas do mundo em termos de emissões
de gases de efeito estufa e poluentes
atmosféricos”, afi rma Liebsch. Ainda não há previsão de quando o
diesel de cana chegará aos postos de combustíveis, pois, segundo o diretor da
Amyris, o foco é a frota urbana de ônibus.
Os estudos da MAN para a utilização de alternativas energéticas não se
limitam aos motores de ônibus. Já existem testes programados para o uso de
novos combustíveis em caminhões solicitados pelos próprios clientes.
Remédio para malária,
remédio para o ar
A descoberta do diesel de cana foi praticamente ao acaso. Ao investir
no desenvolvimento de um medicamento contra a malária, que ainda afeta milhões
de pessoas por ano no mundo, especialmente nos países em desenvolvimento, a
Amyris usou biotecnologia para produzir artemisinina, um dos mais e cientes
remédios contra a doença. A substância está presente em uma planta originária
da China, a Artemisia anura, mas como nunca foi utilizada em larga escala a sua
baixa produção e o alto custo acabaram inviabilizando o projeto. Os
pesquisadores utilizaram, então, o fungo Saccharomyces cerevisiae (o mesmo
usado para produzir cerveja e etanol) e conseguiram criar o princípio ativo.
“Em 2013 quase metade dos 200 milhões de casos de malária no mundo usaram
medicamento produzido sem ns lucrativos a partir da tecnologia desenvolvida
pela Amyris”, conta Adilson Liebsch.
Esse mesmo fungo foi modi cado geneticamente para a produção do
diesel de cana. “A ideia surgiu por volta de 2007, quando os principais
investidores da Amyris e os fundadores perceberam que seria possível aplicar
biotecnologia para criar alternativas para a produção de diesel e querosene de
aviação”, diz Liebsch. A modi cação genética do Saccharomyces cerevisiae
permitiu a produção em larga escala de um hidrocarboneto conhecido como
farneseno, obtido com a fermentação da cana. A partir de uma unidade de operação
conhecida como hidrogenação, na qual quatro moléculas de hidrogênio são
adicionadas a uma molécula de farneseno, mais a desidratação necessária para
remover a água, obtém-se o combustível.
Fonte: Man Magazine edição 08 ano 04
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